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Cuidado e atenção: Resistir às capturas é afirmar a vida.

O filósofo anglo-ganês Kwame Apiah defende a idéia de que a atenção é uma das formas mais nobres de contribuir para o bem estar dos outros. Ele afirma: “É muito fácil ignorar pessoas com problemas e seu sofrimento. A não ser que você faça um esforço, se aprimore e se prepare". Appiah sustenta a visão de que o sistema em que estamos imersos promove uma aceleração e uma demanda constante por produção, levando-nos a normalizar o sofrimento alheio e resultando em uma relação, por vezes, banalizada com a vida. O que estaria Appiah falando se não da atenção enquanto uma prática de cuidado?


Hoje em dia nossa atenção é um capital explorado pelas big techs, que reforçam seus cofres cada vez que olhamos para os conteúdos e luzinhas piscantes das notificações do smartphone. A atenção que cada vez mais oferecemos às redes e conteúdos de internet é disputada eletronicamente por grandes marcas e corporações, deixando os inocentes outdoors de beira de estrada muito para trás.


É chover no molhado dizer que esta relação com a tecnologia vem deixando as pessoas mais ansiosas e dispersas. Por outro lado, o que ainda tem sido pouco discutido é o apelo ao individualismo que não só as redes, mas todo o sistema de consumo vem explorando. Uma espécie de soberania do EU. Lugar onde o indivíduo é total, um produto de si mesmo e que precisa aparecer em suas melhores performances. Tudo em detrimento da comunidade e dos interesses coletivos. Os efeitos colaterais deste comportamento ainda estão sendo experimentados, mas alguns já estão postos: A solidão, a despreocupação diante da dor que o outro experimenta, o narcisismo virtual, a felicidade superficial explícita nas redes e o comportamento egoísta nas dinâmicas sociais do cotidianos.


De que forma reverter este quadro ou ao menos amenizá-lo, reduzindo os danos de viver em uma sociedade que se fragmenta em milhões de indivíduos interessados em si mesmo? O cuidado pode ser uma resposta. Aprimorar-se, como diz Appiah, em um exercício constante de olhar para o lado. Algo que requer dedicação e entrega, como dizem os mestres do Brasil Profundo.


O cuidado não é um estado, mas uma postura que necessita exercício e aprimoramento diário. É um compromisso que se reafirma nos movimentos de nossa rotina. Pois é ali, em nosso cotidiano que nossa atenção é capturada. Não a toa que defendo a escuta como antídoto para desaceleração da vida. Escutar é curar não só o outro, mas também a si mesmo. É um ato de resistência onde escolhemos entregar nossa atenção não ao algoritmo, mas à vida.


Até a próxima!


Dica de leitura: Cosmopolitanismo: Ética num Mundo de Estranhos - Kwame Appiah/2007


Rodrigo Carancho

Fundador da Escola Aberta do Cuidado

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