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Luiz Gonzaga e o cuidado em um Brasil que se aceita

Atualizado: 4 de out. de 2023

Por Rodrigo Carancho, fundador da Escola Aberta do Cuidado.

Em 1939, enquanto aguardava o navio para retornar a Pernambuco, depois de nove anos sem contato com a família, Luiz Gonzaga ficou alojado no Batalhão de Guardas do Rio de Janeiro, onde um soldado o aconselhou a ganhar dinheiro por meio de apresentações musicais na cidade.

Rapidamente, Luiz começou a tocar em bares no Mangue, nas docas do porto e nas ruas, buscando algum sustento financeiro e logo foi convidado a se apresentar nos cabarés da Lapa. Nessa época, seu repertório consistia em atender as preferências do público com tangos, fados, valsas, foxtrotes e assim por diante. Durante esse período, Gonzaga fez sua primeira tentativa no rádio, participando de um programa de calouros com Silvino Neto e Ari Barroso, mas obteve apenas uma nota 3.

Em 1940, um grupo de estudantes cearenses censurou o músico e seu repertório estrangeiro o aconselhando a tocar as músicas dos sanfoneiros do sertão nordestino. Aquilo mudou tudo e em um programa de calouros no rádio, interpretando “Vira e Mexe”, Luiz recebeu nota 5 conquistando o primeiro lugar. O resto é história.

O que chama atenção é a decepção de Luiz Gonzaga quando colocou um repertório gringo para trabalhar. Contam as histórias que o sanfoneiro passava horas ensaiando as músicas estrangeiras para agradar o publico dos cabarés em troca de alguns trocados. Com essas mesmas músicas e um terno bem alinhado, tentou a sorte no rádio, mas foi rejeitado de primeira.

Foi só quando trocou o terno pelo gibão e os tangos pelo baião e o xaxado, cantando o seu chão e sua gente, que Luiz passou de um desconhecido das esquinas da Lapa para um artista que transformou a Música Popular Brasileira, colocando a região nordeste desse país-continente em evidência nunca antes experimentada.

Luiz Gonzaga virando-se para a sua terra e assumindo sua história é uma lição no caminho de um país que teima em negar a si mesmo, enaltecendo e rendendo honras ao que vem de fora. Um país colonizado na sanha da escravidão e das violências, mas que no mesmo tempo semeou um grande campo de cuidado nos seus ritos, seus benzimentos, sua resistência e sua fé. É inegável a forja da violência nesse país, mas a história do Brasil é também uma história de cuidado que sobreviveu nos regaços das avós, nas mãos dos avôs, nos raminhos de arruda, no enlevo dos congás e nas curvas dos rios. Em outras palavras, um povo que sobreviveu porque soube cuidar. 

E hoje, o que enxergamos quando olhamos para nós enquanto um povo?

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