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Versos que cuidam

“A história do norte de minas não é só a história do norte de Minas, é a história do Brasil”. O poeta Carlos Azevedo me disse isso enquanto almoçávamos em Montes Claros. O Brasil é grande demais para caber em uma só história. Esse país, repleto de belezas e contradições ainda tem muito para ser descoberto e cabe a nós, brasileiros, abrirmos essa picada. O meu encontro com esses cuidadores – os vejo assim – reflete um pouco desse manancial cultural que é esse pedacinho do Brasil: O norte de Minas.


Chego em Montes Claros em uma manhã ensolarada, depois de passar a noite em Bocaiúva. O homem que me espera ganhou o Grammy Latino de música regional com o disco de música de raiz “Salve Gonzagão – 100 anos” em 2013. É membro da academia brasileira de literatura de cordel, tendo já escrito algo em torno de 1000 histórias em cordel. É o compositor vivo que possui mais músicas gravadas no Brasil, por volta de 2.500 canções. E também autor de 10 livros sobre a cultura popular brasileira. Sabendo disso, talvez quem me lê pensa que fui recebido por alguém com certa pompa. Errado! As 09:00 em ponto, Téo Azevedo já estava pronto me esperando em sua casa. Me deus alguns cd’s e livros de presente, pegou duas violas e subiu na minha kombi. Seguimos um caminho por dentro de Montes Claros. Paramos na casa do cordelista Carlos Azevedo, que veio conosco. Nosso destino era a oficina do Toni Preto, rabequeiro de mão cheia, que domina a arte de construir e de tocar uma rabeca. Lá também nos aguardavam a dupla Ariedson e Renan, que fazem um lindo sertanejo de raiz.

Confesso que fui surpreendido com toda a mobilização para atender ao meu pedido de conhecer com um pouco mais de detalhes o folclore e culturas locais. “Nós somos parceiros, isso que você faz também é cultura de resistência” me falou o Téo se referindo ao projeto que toco na estrada. Aliás, Téo fala bastante sobre cultura de resistência e justifica “Quem não conhece seu passado não conhece seu futuro”.

Mas seguimos…

Enquanto Ariedson e Renan afinavam os instrumentos, o Toni Preto cuidava da rabeca. Tudo isso dentro de uma sala com um velho balcão e uma balança antiga. Um lugar muito simples e que deixava ecoar a voz grave do Téo Azevedo que ia dando o tom da lida. Estava com braço machucado, mas ficava ali por volta como se fosse o produtor do encontro. De fato era.

Som passado, calor batendo nas costas e esse povo enfileirou algumas músicas para o meu deleite. Entre uma marca e outra converso com o Toni Preto que já me diz : “O povo me pergunta onde é minha oficina. Minha oficina é qualquer lugar, debaixo de uma árvore, no meio do mato. Só preciso da madeira, das mãos e de um estilete. De vez em quando eu uso um caco de vidro”. Toni tem sensibilidade estampada nos olhos e as mãos sempre alisando a rabeca.

Com uma linda harmoniza vocal, Ariedson e Renan me falavam que lançaram a pouco o seu primeiro trabalho. Um lindo cd intitulado “Os reis do guaiano” com produção do Téo Azevedo. Fiquei muito curioso sobre a sua formação musical e os rapazes se remeteram muito a Alto Belo, terrinha amada,  e suas influências locais.

Outra presença de marca maior nesse momento foi a do cordelista Carlos Azevedo. O poeta conta a história do norte de Minas e seus marcantes acontecimentos, tudo no ritmo compassado da literatura de cordel. Carlos declamou alguns versos e explicou com cuidado o seu processo criativo afirmando “A memória se conserva mais quando a história é contada no cordel”. Carlos tem intenso intercâmbio com poetas do nordeste e já teve seus cordéis publicados em outros países.

Por fim, Téo Azevedo ocupa seu lugar no meio dessa talentosa turma. Fala sobre a importância do folclore no cuidado com a memória de um lugar e toma como exemplo a Folia de Reis de Alto Belo/MG, sua terra natal. Todos os meses de janeiro o distrito de Alto Belo reúne uma multidão na folia, festa que foi declarada patrimônio cultural do estado de Minas Gerais.  Pergunto a ele se no meio desses 2500 músicas tem alguma especial. Téo dá uma volta, mas não demora a cantar um trecho de “Amansador de burro brabo”

Já dei surra no diabo Mas só fico convencido Quando sou reconhecido Amansador de burro brabo”

Téo é um ativista. Alguém que faz acontecer e junto com isso leva uma porção de gente, seus parceiros e amigos. Fui tão bem recebido nessa terra que me senti, de fato, um parceiro. Fique tranquilo, Téo. Você tem muita fama, mas para sempre vou lhe reconhecer como amansador de burro brabo.

A história do norte de Minas é a história do Brasil.

Rodrigo Carancho, autor deste texto, é curador e co-fundador da Escola Aberta do Cuidado. Esta narrativa é resultado de uma viagem-pesquisa que realizou pelo Brasil profundo e que ganhou o nome de Andarengo – Narrativas de Vida e os Caminhos do Cuidado.

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